08 de Julho de 2012
Homilia Proferida na ocasião da
Primeira Missa do Padre Gonçalo Aranha dos Santos


Caros Irmãos e irmãs;
Estimado padre Gonçalo,hoje, pela Graça de Deus e pelo Ministério da igreja, presidente desta celebração.

Sem dúvida alguma, neste espaço sagrado fazemos uma grande festa.
 Festa porque é domingo, dia no qual fazemos a memória da Ressurreição do Senhor, espinha dorsal da nossa fé;festa porque o Senhor vem ao nosso encontro através da Palavra proclamada e do Pão consagrado que nos é dado como alimento para a caminhada; mas também é festa porque nossa Diocese e, por ela, toda a Igreja se torna mais rica e mais bela, uma vez que temos um novo sacerdote, o Padre Gonçalo Aranha dos Santos, filho desta terra, membro desta comunidade paroquial, componente do clero desta Igreja particular, que constrói sua história sobre os maternos auspícios de Nossa Senhora do Livramento.
A liturgia da Palavra deste domingo versa sobre a rejeição sofrida pela Palavra de Deus e, consequentemente, pelos respectivos anunciadores: sofre rejeição o anúncio do profeta Ezequiel por parte filhos de Israel, sofre rejeição o próprio Jesus, quando num sábado, na sinagoga de Nazaré, se põe a ensinar; e ainda o Apóstolo Paulo nos fala de certo espinho na carne que,como se fosse um anjo de satanás, o esbofeteia. Chama-nos a atenção, todavia, que nenhum dos três rejeitados desanima diante dessa situação tormentosa.
O profeta Ezequiel é invadido por um Espírito que o pôs de pé, o que indica atitude de prontidão para anunciar ao povo a profecia que vai receber. Não se trata de qualquer povo, mas dos israelitas, definidos como nação de rebeldes, pecadores como seus antepassados, filhos de cabeça dura e coração obstinado. O profeta deverá levar-lhes a Palavra do Senhor, falar-lhes em seu nome, mesmo na fácil previsão de que não escutarão. No entanto, saberão que há um profeta no meio deles.
O cenário do Evangelho de hoje é a sinagoga da cidade de Nazaré. Num dia de sábado, como todo judeu adulto, Jesus vai à sinagoga e toma a palavra para ensinar. Esta atitude causa duas reações contrárias: admiração e recusa. Há admiração diante do ensinamento de Jesus, feito com sabedoria, que não vinha da sua profissão, pois ele não era rabino, não era mestre, era um artesão de madeira, um carpinteiro.
O fato de ser carpinteiro não era desonra, pois se tratava de profissão bem considerada. A admiração apenas prova que os compatriotas de Jesus o conheciam bem e se admiravam que fosse sábio e fizesse milagres, quando o normal seria trabalhar apenas com madeira. O objetivo aqui é mostrar que a sabedoria e o poder de Jesus não vêm das pessoas, não se adquire com uma profissão, mas vêm de Deus.
Em seguida, o relato de São Marcos nos mostra a admiração inicial transformada em hostilidade, sinal de incredulidade ante as obras de Jesus. Os galileus estavam marcados com o preconceito: admiravam as obras de Jesus, mas eram incapazes de acolhê-lo. Essa falta de acolhimento o impossibilitou de fazer milagres em sua própria terra, uma vez que os milagres significavam o avanço do reino de Deus e consequente retrocesso do anti-reino, e isto só era possível onde havia fé em Jesus como Messias, como o Cristo. E bem sabemos que Deus, porque ama o ser humano ao extremo, não viola sua liberdade.
Com as expressões “espinho na carne” e “anjo de satanás a esbofetear-me”, o Apóstolo Paulo fala de algo que lhe provoca angústia, talvez possa estar se referindo, entre outras coisas, às angústias que tinha suportado com a oposição à sua pessoa e à sua autoridade. Tais angústias, porém, foram aceitas pelo Apóstolo como uma motivação para exercer a humildade e vencer o orgulho.
Meus irmãos e minhas irmãs, “o amor não é amado”, repetia São Francisco de Assis pelos caminhos da Itália. A rejeição que os habitantes de Nazaré reservam a Jesus, tal como o coração obstinado dos israelitas pode fazer nascer um sentido de desalento: é sempre esta a resposta humana à iniciativa de Deus? Mas, pensando bem, a grande mensagem dessas leituras é outra: Deus não se deixa desencorajar pela nossa frieza e continua e enviar profetas. Melhor: continua a deixar seu Filho no meio de nós. Quer o escutemos, quer não o escutemos, a liturgia continua a repetir, depois da leitura de cada texto bíblico: “Palavra do Senhor”, “Palavra da salvação”!
Através das leituras proféticas, é Deus que, com paciência infinita, se obstina a oferecer-nos sua palavra, a sua presença, o seu acolhimento. Através das leituras do Santo Evangelho, é o Senhor Jesus Cristo que continua a ensinar e a revelar a face do Pai. Através dos Sacramentos da Igreja é o Senhor que, como bom samaritano, continua a deter-se para curar nossas feridas e os nossos males.
Amados irmãos e irmãs, certamente ainda estão bem presentes em nossos corações as palavras e gestos da Igreja que, na noite de ontem, fizeram do presidente desta celebração um homem consagrado para pregar o Evangelho, apascentar o povo de Deus e para celebrar o culto divino. Para todos nós, não acima daqueles sentimentos próprios da fé, é de justa relevância uma alegria muito grande. E eu fico deveras lisonjeado pelo convite que me foi feito pelo ainda então seminarista Gonçalo para que eu pronunciasse esta homília, não obstante meu convencimento que no clero desta diocese ou fora dela o Padre Gonçalo poderia encontrar em meio a inúmeros amigos sacerdotes alguém mais eloquente que eu a esta missão.
Pensei em dirigir ao meu amigo Padre Gonçalo algumas palavras do meu coração de irmão mais velho, pois bem sabemos que os amigos falam melhor e de modo mais autêntico quando deixam ecoar a voz do seu coração. Optei por assim fazê-lo.
E começo dizendo, padre Gonçalo, que é muito bom ser padre. Digo isto não por causa do microfone que temos nas mãos, nem pelo elevado presbitério no qual nos colocamos, nem por nossos paramentos, muito menos pelos que nos escutam nas celebrações, pois tudo isto encontraríamos em várias profissões e ganharíamos, por certo, justa remuneração. Muito menos é bom ser padre pela côngrua que recebemos, pelo status que adquirimos, em especial nas pequenas cidades, ou pela segurança que ser ministro do sagrado nos garante.
Neste caso, com tantas exclusões feitas, o que há de vantagem em ser padre? Num mundo que se move na busca desenfreada pelo prazer, pelo lucro ou pela simples realização pessoal, por que ser padre, que vantagens há nisso?
A resposta é uma só, meu caro padre Gonçalo: é bom ser padre porque esta realidade nos associa de modo mais profundo ao Cristo, Deus que se fez um de nós, que assumiu nossa condição, se identificou como o “Bom Pastor” e que, sendo mestre, se fez servidor dos seus, lavando-lhes os pés.
É no ícone do lava pés, padre Gonçalo, que esse seu irmão mais velho de presbitério consegue alcançar com todo o poder da sua visão as motivações para ser padre; é no gesto do lava pés que podemos contemplar sem véu e sem nenhuma sombra a expressão do amor que, quando é verdadeiro, assume as tarefas mais humildes. Em outras palavras, é bom ser padre porque podemos servir tendo por referência de serviço o próprio Deus.
Ontem, meu irmão, você respondeu sem titubeios às perguntas que lhe foram feitas, prometendo obediência, pobreza e castidade. Você sabe e eu também, padre Gonçalo,que viver pobreza, obediência e castidade em nossos dias pode ser visto como loucura, ou fuga ou outra realidade anormal, se não ser estas escolhas motivos de chacota. Para muitos, é como se estivéssemos nos entregando à própria morte.
Mas, é justamente o contrário: à medida que vamos assimilando dentro de nós estes propósitos, vamos nos tornando tão livres, como o próprio Cristo é livre. Vamos nos tornando livres para amar, sem medidas, sem reservas, sem ressalvas. Amando, não temos medo de nos colocar a serviço, e a condição de servidores nos realiza, e isto não é vaidade. Os servidores são pessoas realizadas justamente por causa da associação que passam a ter ao Cristo, o mestre e senhor que se fez servo, como já disse.
Como é bom, padre Gonçalo, perceber que por nossas mãos e nossa voz, homens e mulheres nascem para a vida nova em Cristo, pecados são perdoados, Deus que se fez pão é partilhado, corações são eternamente entrelaçados pelo amor e tantos filhos de Deus sentem-se revigorados em sua força física e espiritual ou partem para junto do Pai confortados com os últimos sacramentos.
É maravilhoso quando podemos consolar, abraçar, converter, abençoar, promover e inclusão, amparar com nossas forças os que estão tomados pela fraqueza.É tão bom termos condições de enxugar as lágrimas provocadas pelo sofrimento, pela dor, pela discriminação, pela solidão. É ainda melhor quando, por nossos gestos e palavras, conseguimos ser mais que justos, alcançamos ser misericordiosos. E a cada dia tomo para mim e transmito esta certeza: Ou seremos misericordiosos, ou não seremos a Igreja de Jesus Cristo. 
Falando assim, posso dar a impressão que somente é um padre feliz quem tem diante de si uma multidão a ser servida. Não é verdade. Ainda que toda a nossa vida de padre fosse destinada a uma única pessoa, ainda que nosso ministério ajudasse apenas “um” a se salvar, já seria o bastante, porque o ser humano é tão especial, é algo tão excelente, que por ele vale tudo, até mesmo uma vida inteira doada.
E, se acontecer que não tenhamos condições de falar ou de nada fazer, por sermos rejeitados, a título da experiência de Jesus e de Ezequiel, conforme ouvimos nas leituras proclamadas; ainda que no desenrolar do nosso ministério tenhamos espinhos a perfurar nossa carne, a exemplo do Apóstolo Paulo, valerá sempre a pena ser padre, porque os rejeitados também podem amar e o Cristo, nosso modelo e nossa referência, foi rejeitado e sofreu; ensinou-nos com sua própria vida que o amor e o sofrimento são separados por uma linha muito tênue e, por isso, frequentemente se misturam.  Todavia, é infinitamente melhor, é incomparavelmente aconselhável aventuramos no amor, que passarmos a vida inteira amargurados por não amar nem por sermos amados.
Tenha você, meu irmão, um feliz ministério sacerdotal. Que por ele você chegue à santidade.   

Padre Rinaldo Silva Pereira