Homilia da Festa de Nossa Senhora do Livramento


15 de Agosto de 2012

SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO

Leituras: 
 Ap 11, 19;12,1.3-.10;
 Sl 45/44; 
 1Cor 15,20-27; 
 Lc 1,39-56.

Saudações: Padres, Irmãs religiosas, Seminaristas, Animadores das Comunidades, Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão Eucarística, Autoridades civis e militares dessa amada Cidade e da Diocese: Alegremo-nos todos no Senhor, celebrando este dia festivo em honra da Virgem Maria (antífona de entrada), Padroeira de nossa Diocese e Cidade, Nossa Senhora do Livramento.
1. Na oração inicial pedimos a Deus que concedeu a Maria a glória do céu que nos dê viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória.
Atentos às coisas do alto: de que se trata? Quais são as coisas do alto? A cosmologia antiga para apontar os valores mais verdadeiros usa esta expressão: coisas do alto, como escreve também o apóstolo Paulo em suas cartas (cf. Cl 3,1; Fil 3,20).
Cosas do alto são o que existe na vida de mais autêntico, o que é capaz de encher o coração de felicidade, antecipando a plenitude de vida que esperamos, aquela que Maria santíssima já alcançou.
Hoje, com a festa de Maria que nós celebramos com o título de Nossa Senhora do Livramento, queremos evidenciar a dimensão da glória que a Mãe do Senhor já alcançou.
A história humana é uma luta constante entre as forças poderosas do mal e da morte contra as forças geradoras de vida. A presença do mal e da morte acompanha a história e pertence à nossa vida cotidiana.
A I leitura – um texto do livro do Apocalipse – com linguagem rica de simbolismo traduz em dois sinais esta realidade de combate: de um lado uma Mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas, do outro um grande Dragão cor de fogo. Trata-se da luta da Igreja nascente contra o poderoso império romano, que perseguia e matava os cristãos. A mulher vive perseguida pelos poderosos, mas protegida por Deus. Deve fugir para o deserto, mas seu sofrimento terá um fim. No momento oportuno virá a salvação de Deus: Agora realizou-se a salvação... de nosso Deus.
Quando observo a nossa Igreja com olhos de filho e pastor, sinto e constato as tantas suas dificuldades, fraquezas e falhas. São as dos seus filhos e filhas, pastores e ovelhas. Quantas feridas, fragilidades, incoerências e contradições e até pecados. Cada um(a), antes de pensar nos erros alheios, examine-se. Quantos dedos apontados, palavras à toa, discursos sem conhecimento, críticas ácidas e agressivas, alianças ambíguas, apoios espúrios, desejos e comportamentos impuros, amizades oportunistas, falta de diálogo, fé escassa ou morta. Tudo isso não pertence às coisas do alto mas às da terra, às misérias humanas, à nossa humanidade ferida.
2. Mas, uma luz nos ilumina, uma esperança nos sustenta! São Paulo, como ouvimos na II leitura, aos cristãos de Corinto, em crise a respeito de um aspecto fundamental da fé, escreve algo que vale para nós hoje. Com palavras cheias do futuro de Deus afirma: a morte foi vencida; o ultimo inimigo foi destruído pela gloriosa ressurreição de Cristo. Esse acontecimento dá força a quem crê para continuar na vida do dia a dia, apesar de tudo, com uma certeza e uma esperança. A certeza que a vida humana sobre a terra tem sentido, que as poderosas forças do mal não vencerão e que a morte não destrói a vida mas a transforma; ilumina-nos a esperança de uma vida nova e horizontes repletos de luz; essa esperança nos encoraja para continuarmos firmes na caminhada da fé. “A esperança - escrevia o papa Bento XVI (cf. Spe Salvi, 36) - nos diz que o mundo pode ser curado”.
A solenidade hodierna nos confirma. O cântico que Maria pronunciou, como ouvimos no Evangelho, é resumo teológico do agir de Deus na história. O projeto de Deus, que Jesus veio trazer à terra, é este: transformar o modo antigo e opressor de viver, numa ordem nova em que os humilhados são respeitados, os pobres e oprimidos reconhecidos em sua dignidade e a justiça, enfim, começa reinar em nossa terra.
O Filho de Maria marca um novo início da história humana; a vida vence a morte, a ressurreição de Cristo é semente de esperança para todos que n’Ele acreditam. Tudo isso comporta uma forma diferente, radicalmente nova de avaliar as coisas e compreender tudo o que acontece. A fé não é cego abandono nem superficial acomodação diante dos acontecimentos, mas exige que assumamos nossas responsabilidades com amor à vida e às pessoas, na esperança que nada vai ser perdido de tudo o que hoje vivemos, cuidamos e amamos. Deus, que ressuscitou seu Filho e deu, logo na morte, vida plena a Maria, será para todos os que creem, vencedor de todas as mortes.
Ainda a II leitura - como vimos - fala da luta das forças do Reino contra as do mal. A fé e a esperança cristãs encontram seu fundamento na morte e ressurreição de Jesus: Cristo ressuscitou dos mortos como primícia dos que morreram (1 Cor 15,20). Paulo compara Cristo com Adão, isto é, todo ser humano; Adão carrega em si meso a morte para todos os seres humanos, enquanto Cristo, que vence a morte, é garantia da nossa esperança de vida e ressurreição: Como em Adão todos morrem, assim, em Cristo, todos viverão (15,22). A fé nos diz que ponto final de nossa existência não será a morte, mas a ressurreição.
Nisso encontra sentido e fundamento a celebração em honra de Maria. Hoje a Igreja contempla a Virgem Mãe à luz do Mistério Pascal de Cristo, professa que Ela, no fim de sua vida terrena, foi elevada à glória do céu, junto de Deus, qual garantia que nós também chegaremos lá. “Deus antecipa em Maria o que é, na verdade, destino de toda a humanidade. A ressurreição de Jesus é caminho de ressurreição para todo o ser humano”.
3. Hoje nos reunimos como Igreja que caminha neste mundo cheio de contradições, de tantos males, mas também de numerosos sinais de vida e de amor. Olhamos com olhar de carinho – diria com olhar contemplativo – Maria, a mãe de Jesus, vestida de sol, cantando a esperança que sustenta os pequenos e humildes. Sentimo-nos confortados e fortalecidos sabendo que o nosso Deus, o mesmo Senhor que Maria cantou, é o nosso único Senhor. Ele acompanha a história, não abandona a um destino cego seus filhos e filhas. Na ressurreição de seu Filho Jesus, “autor de toda a vida” (prefácio) nos dá garantia de um futuro de vida plena. A Virgem Maria “é consolo e esperança para o povo ainda em caminho” (prefácio).
4. Maria que nós invocamos com o belo título de Nossa Senhora do Livramento nos eduque a caminhar com e como Jesus. Ela que cantou ao Deus libertador que derruba poderosos de seus tronos nos liberte de todo forma de orgulho, prepotência e soberba; Ela que afirmou sua fé no Deus que se lembra de sua misericórdia, interceda junto do Filho amado, para que nossas Comunidades aprendam a serem mais lugares de acolhimento e misericórdia; Maria, que Isabel proclamou bem-aventurada porque acreditou, nos ensine a sermos povo de Deus sustentado por uma fé forte e sincera, que se alimenta da Palavra, da oração e da Eucaristia e se traduz em atenção e empenho nas grandes causas da justiça, da paz, da ecologia, da defesa dos pobres e humilhados de nossas cidades. De fato, se nossa fé se reduzir só em homenagem a Maria sem compromisso com essas grandes causas para com os empobrecidos e injustiçados, estaríamos contradizendo com a vida o que aqui manifestamos. Não estaríamos atentos às coisas do alto por que o Deus que vive nos altos céus veio, por meio de Maria, morar a nossa terra e dar à nossa vida horizontes de esperança, mas permanecendo dentro das atribulações da humanidade.
5. Gosto enfim, acompanhar a caminhada de Maria rumo a Ain-Karin, a cidade de Isabel. Maria, qual sacrário vivente, vai para servir e levar à sua parenta, a presença de Jesus.
As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil nos pedem de sermos “Igreja em estado permanente de missão”, a partir de um amor profundo e sincero por Jesus Cristo. Hoje é tempo de evangelizar, anunciar a palavra, educar na fé com renovado espírito missionário. “Este é o grande serviço que a Igreja... é chamada a prestar” (DGAE, 36).
A autenticidade da fé se manifesta na paixão pelo Reino e pelo testemunho e anúncio de Jesus e de seu projeto. Maria é disso exemplo sublime. Não podemos nos acomodar. Na minha última carta pastoral, “Confirmados pelo Espírito, a caminho com Jesus”, conclamo a Diocese toda a renovar seu empenho de formação e disponibilidade em acolher o Espírito para sermos, como Maria, repletos da presença de Deus e forte na fé para testemunharmos o Evangelho com renovado ardor.
Hoje, peço que unamos nossas preces para pedirmos a Maria, nossa excelsa Padroeira, que interceda por nós junto do Filho e, assim, sejamos disponíveis e firmes em continuar nossa missão. “Ela, modelo de ação evangelizadora... com sua vida simples, marcada pela obediência da fé, nos acerca a seu Filho e nos faça verdadeiros discípulos missionários” (DGAE, 141). Assim seja.